
Por ter falado no mestre Telê Santana no post passado e ser o mês de nascimento de Mario Filho, a quem o Blog 12 Gomos homenageará ao longo de junho, que tal trazer os dois como personagens desta postagem? O Telê jogador, o camisa 7 do Fluminense, nunca foi considerado um craque. Embora tivesse inegável qualidade técnica e marcasse muitos gols, que inclusive deram títulos ao Flu, ele não ‘aparecia’ tanto em campo. Muitas vezes porque um Didi, companheiro de time e depois adversário, ou um Garrincha atraísse os olhares da multidão com jogadas de efeito e dribles sensacionais.
Mario Filho, na sua capacidade de enxergar o futebol muito além da obviedade, dedicou uma crônica ao ponta Telê, publicada no dia 1º de setembro de 1956 na revista Manchete Esportiva, quase quarenta anos depois transportada para o livro O sapo de Arubinha, os anos de sonho do futebol brasileiro.
Telê trouxe uma nova medida de tempo para o futebol. É, de algum modo, o ponteiro de segundos, o que não para. Os outros são, quando são, o ponteiro de minutos. Há, até, os não são ponteiros: são o cinco, os dez, os vinte, os trinta, os sessenta, os números que os ponteiros atravessam, girando. Ponteiro de segundos é Telê.
Mario exaltava a intensidade do jogo daquele ponta, muito mais armador do que ponta, que se movimentava por todos os lados do campo, marcando, roubando bolas, devolvendo-as com perfeição para os seus companheiros, ditando o tempo, o ritmo do seu time, na exatidão e constância do ponteiro de segundos.
Por muito menos outros jogadores se sentiram carregadores de piano. E gritavam logo que estavam cansando. Telê não cansa. E o espantoso é que não cansa nunca, esse fiapo de jogador que não pára nem quando a bola está fora. O comum é o jogador sem bola parar logo. Telê sem bola é que não pára mesmo.
A fama que Telê tinha de pão-duro serve de contraponto para Mario lembrar que ela era um mão aberta quando se tratava de futebol. Que ao contrário da maioria dos outros jogadores, que esbanjavam o dinheiro que ganhavam e economizavam o futebol, para estica-lo o mais possível, o camisa 7 guardava muito bem guardado todo o dinheiro que recebia, mas, dentro de campo, dava o que tinha ao Fluminense de mãos-cheias.
Pode dar o que tem em futebol, generosamente, de coração aberto. Aliás, só sabe jogar assim. Não é esse o melhor caminho para a popularidade. Gosta-se de Telê, admira-se Telê, mas se precisa sempre descobri-lo de novo. O que é um mal é um bem. Quando se descobre de novo é como se surgisse um outro Telê. E a verdade é que é o mesmo, o de sempre, o de todos os dias, o mais cotidiano dos jogadores.
FICHA TÉCNICA

O sapo de Arubinha, os anos de sonho do futebol brasileiro
Mario Filho (seleção das crônicas e notas de Ruy Castro)
Editora Companhia das Letras (1994)
248 páginas
PARA SABER MAIS
Mês do Imortal Mario Filho, que estaria completando 101 anos
Biografia de Telê - Parte 1: De goleiro frangueiro à invenção do novo camisa 7